quinta-feira, 14 de julho de 2011

Além dos limites pictóricos na vivência em sala de aula

Além dos limites pictóricos na vivência em sala de aula


                   Autora Maria Cristina Pastore
                   Acadêmica de Artes Visuais-Licenciatura
                   Universidade Federal de Rio Grande-RS
                   Palavras chaves: Pintura, vivência, sala de aula

RESUMO:O trabalho busca relacionar a vivência na sala de aula da disciplina Pintura I no ano de 2011, ministrada pela professora Vânia Sommermeyer, da Universidade Federal do Rio Grande-RS, com as experiências dos artistas que durante muitos anos compartilharam  e compartilham, através dos desenhos e telas (foco na pintura),  suas emoções, revoltas, contradições, caprichos e pretensões artísticas. Um convite para participar dos momentos em sala de aula. Desvendar os caminhos que percorremos como acadêmicos para descobrir os mistérios que envolvem o fazer artístico. Analisar como acontece o processo criativo a partir dessas concepções artísticas já produzidas e que chega até nós através de críticos, historiadores, exposições e muitas outras fontes de referencia. Através das pinceladas, das cores usadas, observar como influenciam nosso imaginário e nossa produção artística. Nosso objeto de estudo estará voltado para o pintor Henry Matisse, traçando paralelos com a produção artística na sala de aula da acadêmica do 5º semestre de Artes Visuais Maria Cristina Pastore relacionando com o exercício da licenciatura em arte.

... o fundo do meu pensamento não mudou, mas meu pensamento evolui, e com eles meus meios de expressão. Henri Matisse

Com a velocidade das informações, nossa percepção é afetada, nossa imaginação já recai nas lembranças vividas de violência ou qualquer outra forma de agressividade que somos obrigados a conviver diariamente e cria armadilhas aos nossos olhos.
 Somos alvos e praticantes da violência e do preconceito. Necessitamos e convivemos com estímulos que a todo o momento nos fazem viver de uma maneira, determinada pelos relacionamentos que vivemos, pelo fluxo de atividades que exercemos que muitas vezes não notamos o que está acontecendo ao nosso redor. Estamos acelerados a tal ponto que ao olhamos uma imagem, não percebemos a imensidão de informações que essa imagem pode conter.
 Portanto, a imagem induz ao pensamento. Cria no imaginário outras imagens e rapidamente nosso pensamento associa a fatos relacionados com as nossas experiências vividas, esse momento poderá ser conduzido pela percepção e pela sensibilidade de cada pessoa.
Ao olhar uma imagem, ao ter um encontro com uma pintura,  ao ler um livro, uma pessoa poderá viver muitas experiências inesquecíveis, sejam elas agradáveis ou não.
 Esse ato é exercido por uma sensibilidade capaz de criar vínculos entre o observador e o executor do objeto em questão. Esses vínculos que tornam fortes as opiniões das pessoas sobre as imagens na qual ocasionaram que as memórias sejam revividas, suas frustrações ou desejos sejam transferidos dessas imagens para a realidade e assim impulsionando a criação.
 O processo de aprender promove a descoberta dos próprios talentos, melhora a auto-estima, e nessa descoberta percorremos caminhos inexplorados ou pouco conhecidos. Focando a pintura como eixo principal desse trabalho, a partir da experiência em sala de aula, o conhecimento em arte, as possibilidades de usar diversos materiais, as técnicas aprimoradas, sentimos a provocação de ir mais além do que a propriamente pintura na tela. Estabelecer um diálogo do passado com o presente nas vivencias dos artistas clássicos, modernos e contemporâneos, se faz necessário para entendermos nosso próprio processo criativo.
O encontro em sala de aula com o professor provoca a expectativa de adquirir novos conhecimentos, permeado durante todo o processo, essa expectativa estimula a objetividade. Assumimos o compromisso de parceria professor/aluno para que a liberdade construída possa ser exercida em sala de aula, viabilizando o aprendizado.

Primeiros trabalhos

A atividade inicial consistia em elaborar imagens relacionadas com cores e escolher palavras que constituíam os textos oferecidos e sem nenhum contexto com a pintura. Eram textos sobre outros assuntos. A aproximação dos participantes com as imagens escolhidas foi crucial, isso promoveu o interesse e iniciou o processo de aprendizagem e exploração da pintura.
Na apresentação dos trabalhos em sala de aula, percebemos o envolvimento com a escolha tantos das palavras como das imagens que representavam cores que expressavam as emoções que sentíamos frente ao objeto, ao desenho, ao conjunto de elementos da composição.
Observamos que alguns colegas não se deixavam expor, outros usavam da sensibilidade e procuravam formas de demonstrar sua criatividade com intimidade, evidenciando seus gostos pessoais, proporcionando momentos agradáveis diante do proposto.
A partir do desenvolvimento e apresentação dos trabalhos por todos os integrantes da turma, a professora Vânia Sommermeyer ministrante da disciplina Pintura I, no curso de artes Visuais FURG, manifesta suas observações citando pintores que identificou com estilos semelhantes nas imagens apresentadas por cada um.
Alguns detalhes nos trabalhos dos alunos foram determinantes para que a professora Vania relacionasse os gostos pessoais, as cores usadas, os temas escolhidos, com pinturas de mestres em vários movimentos artísticos e vanguardas.
A influência do artista Matisse na pintura conforme a Prof. Vânia constatou nos trabalhos realizados em sala de aula da aluna Maria Cristina Pastore, fica evidenciada nas cores primarias usada no trabalho, na qual também Matisse vivia as cores.
                               Figura 01 Imagem criada por Maria Cristina Pastore

  
Conhecendo Matisse
"Matisse é uma atitude". Emilie Ovaere declara a curadora adjunta do Museu Matisse na França. 

Henri Matisse foi um artista francês, conhecido pelo uso da cor e pela sua arte de desenhar original. Foi desenhista, gravurista e escultor, mas é principalmente conhecido como pintor.
Matisse é considerado, juntamente com Picasso e Marchel Duchamp, como um dos três artistas  do século XX, responsável por uma evolução significativa na pintura e na escultura.
A busca pela síntese, pela simplicidade, pelo traço perfeito e o uso de cores, texturas e padrões para descrever o espaço empreendido, foram usados por esse Frances Henri Matisse (1869-1954). Usava o espaço pictórico principalmente para transmitir o poder emotivo da cor pura. A dança de Matisse conforme ele: VIDA E RITMO demonstram seu espírito alegre.
 A “Alegria de viver” é a obra que consagrou Matisse, embora tenha sido recebida com deboche e críticas. Realizada nos seus primeiros anos, apresenta inegável traços do Fauvismo com o jogo de cores, a utilização de tons puros, , sem temer os contrastes, com clara influência de Gaugin. Um convite para presenciar uma orgia, também de sexo, mas, sobretudo de cores. No “Alegria de viver” lembramos de um tempo inocente onde a pornografia ainda era sensualidade.
Henri Matisse partilhou popularidade com Pablo Picasso, mas eles eram bem diferentes. Considerado calmo e metódico afirmou que gostaria que sua arte fosse uma confortável poltrona para relaxar ao fim de um longo dia.
Foi aluno de Gustave Moreau, que encorajava positivamente seu alunos a questionar as coisas e a apresentar suas próprias opiniões.Estudou trabalho de Monet, Gauguim Van Gogh e Cézanne. Explorou o pontilhismo de Seurat.Juntou-se a Braque e ex-alunos para experimentar cores vivas e estilo exagerado denominado Fauvismo
Não se pode falar de Matisse sem falar de Fauvismo no qual Henri Rousseau impõe o estilo de evidenciar as cores nos salões independentes que Matisse aderiu com fidelidade. O Fauvismo foi um dos grandes, embora pouco duradouro movimento da arte no século XX e surgiu  das amizades formadas por Andre Derain, Maurie de Vlaminck, Raoul Dufy, George Rouault e Henri Matisse.
Em 1905, em Paris durante a realização do Salão de Outono, alguns jovens pintores foram chamados pelo crítico Louis Vauxcelles de  FAUVES (FERAS), por causa da intensidade com que usavam as cores puras, sem misturá-las ou matizá-las. Regido pela simplificação das formas das figuras e o emprego de cores puras que não representam a realidade, são escolhas do artista. Esse  estilo não foi aceito quando apresentaram suas obras, mas hoje podemos observar as cores puras em nosso vestuário e inúmeros objetos do cotidiano. Matisse gostava de usar pigmentos inventados e de restaurar a força emotiva das cores.

Mudanças nas artes e no processo intelectual pictórico

Participar das mudanças nas artes através da historia da arte é olhar a forma pictórica de viver o cotidiano, o tempo e espaço, as pinceladas, as cores, as transformações que ocorreram e ainda ocorrem no mundo. Percebemos arte como pano de fundo dos momentos sociais e políticos pelas mãos dos artistas em suas obras.
Reavaliar e negar os padrões, regras impostas pelos salões e academias na época de Matisse, exigia atitude de coragem e ousadia. Matisse explorou seu estilo arrojado, original, capturava o essencial.
Estar na sala de aula pintando, experimentando cores, tintas, provoca reações, questionamentos, volta ao tempo, aos ateliers, aos mestres, como eles pintavam, como eles pensavam, o que acontecia. Diante desses questionamentos, somos lançados aos livros. Leituras que liberam o acesso ao desconhecido, ao imaginário, desvendando mistérios e induzindo as leituras de imagens, no caso das obras de Matisse, auxiliando no desenvolvimento e na compreensão do estilo de pintar. Buscar o conhecimento das técnicas apropriadas, criar, mesclando tendências, rompendo, desconstruindo, ampliando o vocabulário especifico através dessas leituras contribui para o crescimento intelectual.

Outra proposta

O próximo trabalho iniciou-se de uma proposta original na qual teríamos que fazer um levantamento de objetos na sala de aula com os seus números de series gravados em plaquetas.

Usamos o Kraft pintado com tinta branca e trabalhos anteriores para orientar a produção. Poderíamos usar os números, os objetos da sala de aula, experimentar tintas, o que ofereceu dimensões amplas para a criação, embora delimitando o tema.
A atividade do esboço e depois passá-la para o Kraft, foi desafiadora em questões de tamanho e proporções. Matisse nos orienta que para conservar a expressão devemos fazer novamente. Com o que foi observado na tarefa de copiar percebeu-se a dificuldade de transmitir com a mesma qualidade de expressão.
As apresentações foram conduzidas atentamente pelo olhar da professora Vânia, na qual em todos os momentos  analisava o trabalhos e discutíamos em grupo.

Investigando o processo criativo

         Sem medo de ser chamado de artista, somos atores e ativos de nosso processo criativo. O processo criativo tem como base a percepção do artista, que está relacionado com as necessidades emocionais e psicológicas e até filosóficas, buscando a motivação para acontecer à criação dentro desses processos.
Ao investigar o processo criativo, nota-se uma busca, uma procura, um  reconhecimento das intenções, das relações de troca entre o artista e o meio.
Com enfoque na percepção do artista, que pode ser gerado através de um estímulo emocional ou físico, demonstrado pela emoção até chegar à construção da imagem, constituindo assim a obra, é possível entender o processo criativo.
Nas  anotações dos artistas  podemos encontrar indícios que o início parte da escolha e reflexões, da inquietude de pensamentos e emoções, que sofrem transformações ao longo do processo de criação.
O processo criativo pode ser articulação da forma para dizer o que não se diz, o que não se fala normalmente se conta através das artes. Buscar coexistir com varias formas de arte é um desafio constante, transformações estéticas que ocorrem no tempo e no espaço e dentro do artista em  movimento.
 Somos seres humanos, biológicos, somos constituídos de ciclos, crescemos, amadurecemos ápice da vida e morremos dessa forma os artistas também possuem seus ciclos. Ciclos produtivos, ciclos vazios, ciclos de aprender, ciclos de ensinar, ciclos depressivos, ciclos explosivos, e todos contribuem para formar a identidade do artista.
         Estamos procurado nos constituir como artista, como arte educador, enfrentando nossos medos, nossas ansiedades. Forças independentes estabelecem limites de mudanças ou permitem mudanças nas artes ou/e nos artistas.   O fazer da obra, processo criativo está sempre em movimento, a insatisfação com o “gran finale” não se realiza, sempre poderá ser modificado.

Criação. Uma eterna insatisfação.

       O processo criativo tem como a edição de imagem (seja qual for a técnica) vários estímulos para concretizar seu projeto como, por exemplo, o  descontentamento  com uma situação política, social e econômica, com a formação de idéias, que vão sendo combinadas e expressadas, tudo isso envolvendo o artista por inteiro. Naturalmente, causando nele um estado de euforia com a provável concretização de toda a sua idealização e demonstração do produto final.
      Vária leituras nos mostram que o produto final , não precisa ser necessariamente “produto final” como conhecemos, pode ser toda a transição de criação, desde o momento da visualização da  idéia , até as produções finais. Toda essa trajetória seria a obra em si.
      É interessante analisar por esse ângulo, assim conseguiremos observar que o processo  criativo vai muito mais além de apenas uma idéia. A sensibilidade para desenvolvê-la, a dedicação em tornar o imaginário em um momento-obra, apreciado pelo meio em que ele se relaciona, causando a sensação de êxtase ao artista e aqueles que apreciam com admiração a criação. É a consagração do artista e de todo o seu processo criativo.
     A valorização do processo criativo por todos que admiram a obra em si  é um momento  importante  na produção qualitativa, avaliando não só a obra como todo o processo e assim gerando opiniões favoráveis ou não, desenvolvendo o pensamento, criando polêmicas, interferindo direta ou indiretamente na educação.

Em busca de significados

O encontro entre professor e aluno exercem o poder de produzir conhecimento. Na sala de aula esse conhecimento é significativo, representa momentos de troca, ensinar e aprender. Nas aulas da professora Vânia são oportunizados momentos no qual é possível compreender a importância do professor.
A leitura de uma imagem não e tarefa fácil, envolve sensibilidade, conhecimento e pratica. Sair do processo de alienação visual, sem negar a realidade permitir um envolvimento com as imagens produzidas pelos alunos, no mínimo complicado e necessita de habilidade e experiência.
Ao olhar a obra realizada por um aluno, detalhes são mencionados e discutidos, criando esse vinculo aluno/professor. Procurando esclarecer que a composição da tela tem seus significados. Incentivar e perceber a reflexão inconsciente da produção visual vai da capacidade desenvolvida pelo professor assim como o aluno poderá estabelecer essas reflexões interiores como sua, depende do entendimento e conhecimento de si mesmo como pessoa.
A professora Vânia nos conduz por esse caminho de nos conhecermos e nos entendermos como artistas criadores dos nossos próprios significados.

Construindo  telas

O barulho era de martelo. A sala de pintura se transformava em marcenaria. Serrote, pregos, martelo, estica dali, aperta daqui, a união da turma foi importante e determinante para a conclusão da tarefa de construir as telas. Fazer parte desse processo de construir a obra em todas as fases, desde o início da construção da tela , escolher que tipo e qual  pigmentação será usada,  do suporte ao acabamento, etapas da evolução da obra, fazem com que a valorização do artista seja contemplada na real experiência.
Ao finalizar a construção das telas, percebemos a energia emocional de envolvimento na realização dessa etapa. Concluí-la com êxito era de grande importância para prosseguir. Controlando a ansiedade de pintar, de usar o pincel na tela, a turma interagiu, conseguindo praticar a essência da sociedade, a união de pessoas com um propósito em comum.

A Educação como processo ou produto final?

 Experiências e métodos inovadores que ao longo dos tempos vão sendo criados e modificados para influenciar o pensamento, para que o ensino das artes contribua com a melhor qualidade da formação do “SER” humano.
 Existe relação entre pensamento e linguagem. Então educação poderia  caracterizar-se  como um  desenvolvimento intelectual, beneficiando-se de várias linguagens para que um indivíduo venha crescer intelectualmente.
 Conforme Brandão não há uma forma única de educação, existe uma troca de conhecimento, que através dessas linguagens se completam.
         Através da  analise textual e imagem, uma rede de saberes se entrelaça e se completa conforme esse artigo sugere. Com a imagem, nossa percepção é aguçada e faz com que a arte expressa nos trabalhos dos alunos em sala de aula na disciplina pintura I, seja responsável pela abertura para vários entendimentos e seja explorado todo o potencial artístico para criar debates sobre arte, provocando reações. E esse não é o objetivo da arte? Provocar?
        Talvez seja esse o maior desafio dos professores de arte, entendê-la para poder passar adiante o conhecimento e vencer o desafio de tornar o ensino de arte mais atraente aos jovens alunos.
        Muitas tentativas foram feitas para preparar professores especializados em artes, algumas com sucesso outras nem tanto, mas todas foram válidas e contribuíram para a melhoria do ensino em artes.
         Como arte educador, percebemos a contribuição da pratica artística para o desenvolvimento de uma aula dinâmica e interessante. Acredito na ação do fazer aliada a teoria como pratica pedagógica auxiliando na aprendizagem.
         Esse é o segredo do sucesso da educação, ou melhor, não só na educação como em todos os setores, necessitamos de profissionais apaixonados pelo que realizam e idealizam, somente assim a educação poderá ser completa como a arte, com o seu processo de criação e o seu produto final de qualidade.

                                                      
Referências

BARBOSA, Ana Mae. Arte/Educação no Brasil: do modernismo ao Pós-Modernismo
BRANDÃO. Carlos R. O que é educação, 33ª Ed. Brasiliense, São Paulo. 1995
GERLINGS, Charlotte Cem Grandes Artistas MG- Cedic Brasil 2008. 208 pgs
GOMBRICH, Ernst Hans A História da Arte, 16ª Ed, 2000
MATISSE. Henri, MATISSE: Escritos e reflexões sobre arte São Paulo Cosac Naify, 2007 400 p
SALLES, Cecília. Gesto Inacabado processo de criação artística. São Paulo: FAPESP: Annablune, 1998


















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