sábado, 28 de abril de 2018

O palácio dos Vieira Braga do século XIX ao Hotel Paris do século XXI



O PALÁCIO DOS VIEIRA BRAGA DO SÉCULO XIX AO HOTEL PARIS DO SECULO XXI
Maria Cristina Pastore[1]
Orientador: Luiz Henrique Torres[2]

RESUMO: A presente pesquisa desenvolve-se a partir de um estudo da história local e centralizado em uma edificação, com o intuito de refletir a história do prédio estudado correlacionado com a história da cidade. Busca refletir sobre as transformações urbanas, e enfatiza a preservação do prédio denominado HOTEL PARIS, localizada à Rua Marechal Floriano, 112, Rio Grande – RS. Nesta conjuntura, a investigação contempla fatos demarcados pelo período de 1825 até os dias de hoje, os diversos proprietários que investiram no hotel, bem como a iconografia da época. Apresenta destaque para João Francisco Vieira Braga, o Conde de Piratini como primeiro proprietário do magnífico palacete e evidência aspectos sociais e políticos deste personagem histórico e do período em questão. Propõe reflexões sobre as transformações que revelam múltiplos aspectos sócio-culturais da cidade, do fator humano e da dinâmica espacial alterada em função do desenvolvimento. A escolha do Hotel Paris ocorre pela importância do prédio no contexto da cidade, uma edificação com quase 200 anos de existência em perfeitas condições arquitetônicas, o que possibilita debates sobre a preservação do imóvel e suas características arquitetônicas. Para realizar a investigação, busca-se uma revisão bibliográfica e realiza-se pesquisa em periódicos disponibilizados por bibliotecas virtuais on line, jornais locais na Biblioteca Rio-grandense sobre o Hotel Paris e apreciação do contexto da época, entrecruzando os eixos temáticos. 

Palavras-chaves: Cidade do Rio Grande, Conde de Piratini, Hotel Paris, Vieira Braga.
Grandioso e escondido: Hotel Paris
A maioria da população ao passar pela Rua Marechal Floriano, 112, na cidade do Rio Grande-RS, talvez não reconheça a importância da edificação monumental que permanece com poucas alterações em sua característica inicial, ocupando um espaço admirável no urbano e na história.
O Hotel Paris atrai atenção de quem visita a cidade, mas também dos pesquisadores por sua imponência arquitetônica e seu valor histórico. O prédio de grande porte e evidência social, e por se encontrar em perfeitas condições arquitetônica, propicia reflexões sobre sua origem e atividade relacionada com o movimento da cidade.
Construir um olhar sobre a história e o movimento da cidade depende das fontes acessíveis.  Essas fontes muitas vezes se perderam no tempo, e os registros dos fatos se encontram nas fotos, nos jornais, como um quebra cabeça. A pesquisa investigativa cria condições para organizar esse quebra cabeça da história cultural e social, possibilitando verificar se existem relações entre o fragmento e a composição de um todo. Desta forma pode-se compor um olhar sobre a cidade do Rio Grande, observando seu desenvolvimento através das noticias de um jornal, por exemplo. Ou da ruptura e continuidade de elementos que favoreçam uma abordagem investigativa, como o Hotel Paris.
A escolha do Hotel Paris como objeto de estudo deu-se devido à necessidade de reconhecimento do lugar de história, dar sentido ao tempo de vivência social, cultural e política de um prédio histórico no crescimento urbano. De acordo com Sandra Pesavento, (2008:4) “a reflexão sobre o urbano”, sobre o Hotel Paris como um “núcleo antigo pode fornecer referencias sobre o passado da urbe”. Para a historiadora:
A rigor, se poderia dizer que cada cidadão escolhe seus pontos de atenção e referência para se situar no tempo e no espaço urbano. Eu conheço um lugar, costumamos dizer, implicando com isto que nos referimos a um recanto da cidade especial para nós, que nos toca de maneira particular. Mas também podemos ter sido induzidos, educados e ensinados a identificar lugares de uma cidade, partilhando das mesmas referências de sentido, em um processo de vivência do imaginário urbano coletivo. (PESAVENTO, 2008: 04)

O Hotel Paris mantém surpreendentemente, características praticamente inalteradas. Portanto, importante lembrar que falamos de memórias de um núcleo urbano e da história da cidade, desta forma, permite um reconhecimento da importância da preservação dessa memória. Conforme Lemos, (1987) a cidade é um bem cultural:
A cidade tem que ser encarada como um artefato, como um bem cultural qualquer de um povo. Mas um artefato que pulsa, que vive, que permanentemente se transforma, se autodevora e expande em novos tecidos recriados para atender a outras demandas sucessivas de programas em permanente renovação. (LEMOS, 1987: 45).

Em outras palavras, a cidade ao se renovar, muitas vezes, necessita produzir espaço. A busca por espaços está cada vez mais escassa. É a demanda contemporânea. Nesse sentido, com a intenção de produzir espaço na cidade, com o ritmo frenético das alterações visuais da paisagem urbana, o velho é visto como inconveniente, um obstáculo para o crescimento e desenvolvimento da cidade. O que preservar, o que destruir? Pesavento nos ajuda a refletir:

Ao longo dos anos, cidades enfrentam dilemas, que presidem escolhas políticas: o que preservar, o que destruir? Progresso e modernidade urbana implicam em mudanças, onde se combinar construção e destruição. O que lembrar, o que esquecer? O que se define como significativo e o que deve ceder espaço para que a cidade cresça e a vida se transforme? No bojo deste processo, um outro se instala: o movimento centrífugo de crescimento, do centro para fora e para os subúrbios, ameaça a memória, produz o esquecimento, destrói os significados. (PESAVENTO, 2008:6)

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Fig.: 01  Hotel Paris (foto da autora).
Para os projetos imobiliários, um prédio em localização privilegiada, onde se encontra o Hotel Paris, (Fig.: 01) no mínimo se apresenta como fator preocupante para o poder público, pois a edificação em questão representa fonte de memória urbana e deve ser preservada. Porém, com o descaso com as edificações antigas que vem ocorrendo na cidade do Rio Grande-RS ou em outras localidades, a preocupação em registrar a história deste prédio vem ao encontro da valorização e preservação da memória urbana coletiva. Quais os rumos destinados ao palacete? Com as transformações da paisagem urbana, o Hotel Paris tem se movimentado paralelamente ao crescimento e na disputa pelo espaço, se atualiza e resiste aos avanços urbanos da modernização.
Em um modo poético de ver, durante sua existência, suas paredes presenciaram eventos assim como a cidade presenciou acontecimentos. Nesse estudo, além de enfocar a preservação do patrimônio histórico, o Hotel Paris permite um reconhecimento da importância como um bem cultural, um patrimônio a ser conservado. Para refletir sobre o Hotel Paris, se faz necessário localizar o contexto da época em que foi construindo o prédio, primeiramente como residência depois como hotel.

Um olhar sobre Rio Grande do século XIX
Os primeiros movimentos de ocupação na região onde atualmente é a cidade do Rio Grande possuem como marco oficial a datação de 19 de fevereiro de 1737, com o desembarque do Brigadeiro José da Silva Paes e a instalação do Forte de Jesus Maria e José. Conforme TORRES:

O fundador, governador e implementador de medidas colonizadoras iniciais foi o Brigadeiro Jose da Silva Paes. Como ocupação oficial do Rio Grande do Sul português está relacionada à chegada do Brigadeiro e sua frota naval em 19 de fevereiro de 1737, não apenas o município do Rio Grande faz aniversario nesta data, mas todo o Rio Grande do Sul tem aí a sua data inicial de fundação luso-brasileira. (TORRES. 2015:20)

Rio Grande sempre foi um ponto de estratégia militar no extremo do Brasil alcançado pelo mar e por sua barra de difícil acesso. Inclui uma rede hidrográfica em direção ao rio da Prata e o povoado utilizava a navegação fluvial e lacustre para manter comunicação com outros locais.
A vinda dos casais que chegavam de navio com suas famílias com a esperança de novos tempos impulsionaram o crescimento da cidade. Os primeiros casais chegaram em 1751, aportaram em Rio Grande, com sua cultura e modo de vida, e conforme TORRES, (2015:20), “Somente a vinda dos colonos açorianos em 1752”, vai modificar a composição da população do povoado que era de maioria militar. A chegada dos imigrantes representa a presença lusitana no estado do Rio Grande do Sul.
Muitos viajantes estiveram na região e elaboraram com informações valiosas que possibilita compor o cenário do Rio Grande do século XIX. De acordo com o viajante Frances Auguste Saint-Hilaire que visitou Rio Grande do Sul entre 1820/1821: “Esta capitania é, certamente, uma das mais ricas de todo o Brasil e das mais favorecidas pela natureza. Situada à beira-mar, é atravessada por lagos e rios que facilitam os meios de transporte”. (2002: 94).
As dificuldades iniciais relatadas por Saint-Hilaire se referem ao clima, ventos fortes, e grande quantidade de areias que acumulavam nos arredores das residências humildes e pobres, entretanto, nessas condições precárias que a cidade encontrou sua ascensão. Para o sistema governamental estavam sendo criadas fronteiras e era necessário que fosse exploradas e resguardadas, nesse espaço o militarismo exerce seu poder.  Para o explorador francês o povo de Rio Grande vive continuamente a cavalo, fazendo exercícios violentos e respirando o ar mais puro e sadio da terra.
 O botânico Francês, com suas informações, suas anotações e observações, conta a história social, econômica, cientifica e geográfica, não só da cidade de Rio Grande, como muitas outras no estado do Rio Grande do Sul por onde passou. Suas viagens proporcionaram anotações importantes para a identidade do povo rio grandense, criando um documento histórico.
 Na ocasião de sua estadia em Rio Grande, Auguste Saint-Hilaire é recebido no cais pelos membros da câmara todos em costumes roupa elegantes e bengala na mão. Chegando à noite, percebeu a decoração do cais, todo ornamentado, foi recepcionado em alto estilo, gala, e foi conduzido a igreja, posteriormente, jantando na casa do Tenente General Manuel Marques de Souza. Foi convidado para um baile, no qual ele comenta que estava monótono e ninguém dançava. A cidade apresenta vento impetuoso durante todo o ano, transportam uma areia fina que penetra nos imóveis mais fechados enche as ruas e aterra as residências. O viajante Saint-Hilaire reconhece que a cidade devido ao clima e ventos poderia ser abandonada, entretanto a alfândega exerce uma importância política, social e geográfica que auxilia o desenvolvimento econômico da região. Conforme Saint-Hilaire:
Ë provável que esta cidade (Rio Grande) não possuindo verdadeiramente um porto situando-se em terreno estéril e no meio de pântanos e ameaçada constantemente de ser aterrada pelas areias seria possível digo eu que esta cidade fosse em breve abandonada se não tivesse ai colocado a alfândega e não houvesse a obrigação de parar ai transportar as mercadorias que desembarcam no norte (SAINT-HILAIRE 2002:70)

 A cidade demonstrava em relação às condições portuárias, a possibilidade de crescimento. Muitos eram os navios e embarcações (Fig.: 02) que usufruíam deste comércio de mercadorias sob a influência da cultura européia e transporte de passageiros das classes mais privilegiadas.

porto rio grande
Fig.: 02  Área portuária de Rio Grande Década de 1900 (Google).
A história da cidade do Rio Grande é repleta de importantes acontecimentos por se tratar de uma cidade portuária e essa característica continua auxiliando no seu desenvolvimento, pois a economia gira em torno do complexo portuário até os dias de hoje. Com o movimento do porto os hotéis da cidade eram de grande importância para a hospedagem dos negociantes, empreendedores e visitantes. Desta forma surgem alguns hotéis que disponibilizam acomodações para as variadas classes sociais. A cidade demonstrava em relação às condições portuárias, a possibilidade de crescimento.
Hotel Paris- a origem
 Nesse contexto de crescimento econômico e urbano que uma família, os Vieira Braga, estabelecem residência nesta cidade construindo um palacete em 1825, que seria mais tarde o HOTEL PARIS. Uma residência monumental para época, com muito luxo e requinte servindo de moradia até 1890.
Na Biblioteca Rio-Grandense estão guardadas lote de cartas emitidas por João Francisco Vieira Braga ao seu capataz de uma das fazendas de sua propriedade. Conforme o conteúdo do lote de cartas percebe-se que permanecia maior tempo em Rio Grande e fixou residência.  
De acordo com Guilhermino Cesar (1978:12) João Francisco Vieira Braga nasceu em Piratini-RS em 1793. Filho de João Francisco Vieira Braga nascido na cidade de Nogueiró em Braga, Portugal e Maria Angélica Barbosa nascida em Viamão. Casaram no dia 12 de novembro de 1789 em Rio Grande- RS. João Francisco Vieira Braga (filho) casou com Cecília Firmiana do Pilar, nascida em Rio Grande-RS em 23 de janeiro de 1802 (Viscondessa de Piratini). Filha de Domingos Rodrigues Ribas e Luzia Firmiana do Pilar em 20 de novembro de 1819 em Pelotas. Conforme nota de falecimento descrito no jornal Diário de Rio Grande do dia 23.11.1882, a esposa de João Francisco Vieira Braga morreu em Pelotas (Fig.:03) conforme anúncio no Diário do Rio Grande.

                          Fig.: 03 Anúncio no jornal Diário de Rio Grande 23.11.1882

A família se faz presente no anúncio na Gazeta do Rio de Janeiro de onze de setembro de 1819, pois consta que D. Maria Angélica Barboza, viúva do Capitão João Francisco Vieira Braga, mãe de João Francisco Vieira Braga, moradora do Rio Grande de São Pedro do Sul, por Decreto de doze de agosto do presente ano, Sua Majestade concedeu que a sua casa continuasse com antigo giro de negócio debaixo da firma de Braga, Viúva e filhos. Nesta nota no jornal percebe-se que mesmo com o pai de João Francisco Vieira Braga falecido, os negócios continuariam no mesmo ritmo. No entanto não fica especificado em qual cidade (Piratini, Pelotas ou Rio Grande) em que a viúva solicita a continuidade dos negócios. João Francisco Vieira Braga estava com 25 anos.
O versátil homem de negócios, (Fig. 04) estancieiro e político residiu por algum tempo no Rio de Janeiro, viveu na estância São João, e dividia seu tempo entre a residência no seu palacete na cidade do Rio Grande (CESAR, 1978:12), em Pelotas e na estância da Música.  Era amigo do Imperador D. Pedro II, a quem hospedou em sua suntuosa residência


Fig.: 04 João Francisco Vieira Braga capa do livro “O conde de Piratini".


Exerceu a função de Juiz, Tesoureiro de selo, agente de subscrição para aumento da Marinha de Guerra, negociante hábil, estancieiro, vereador, deputado, alfandegário entre outros cargos e funções. Com outros comerciantes, fundou em 1844 a Câmara do Comércio do Rio Grande, primeira associação deste gênero na província (KLAFKE, 2006). Auxiliava as campanhas de guerra (Fig. 05 e 06), doando alimentos e importâncias em dinheiro. Tais fatos demonstram o prestígio e a influência política e econômica de João Francisco Vieira Braga na cidade do Rio Grande e no Império do Brasil. Em 1946 foi Presidente da Câmara do Comércio do Rio Grande.

Fig.: 05 Doações para a Guerra da Cisplatina
Diário Fluminense 23.02.1827.
 
         

Fig.: 06 Diário do Governo 05.06.1832 -  Império do Brasil.
 
       

O “Noticiador”[3] publica em 03.01.1832 a seguinte informação: “Em 20 de Novembro de 1831, João Francisco Vieira Braga se encontra entre os 75 distintos cidadãos que instalaram em Rio Grande a Sociedade de Beneficência destinada a melhorar as condições da classe indigente e desvalida”. Informação que corrobora para analisar a influência do profissional polivalente na sociedade da época.
João Francisco Vieira Braga residiu na cidade do Rio Grande, em seu palacete, por ele mandado construir (CESAR, 1978:22) dividia seu tempo entre a cidade e as estâncias. Contava com a ajuda de capataz, homem de sua confiança que cuidava dos negócios do campo. Vieira Braga conduzia os negócios de gado, de couro, mantendo controle das atividades comerciais através de cartas trocadas com o seu serviçal. Conforme já mencionado, as cartas se encontram na Biblioteca Rio- grandense (CESAR. 1978:23).
Recebeu os títulos (Fig.: 07) de Barão por decreto de dois de Dezembro de 1854. Visconde por decreto de 29 de Dezembro de 1866. Conde por decreto de 20 de Junho de 1885. Era “Oficial da Imperial Ordem do Cruzeiro” e “Cavalleiro da Imperial Ordem de Christo”. Conforme Archivo Nobiliárquico Brasileiro.

Fig.: 07  Archivo Nobiliarchico Brasileiro.

Fig.: 08  Plenário da Assembléia Legislativa (Porto Alegre). Fonte: Memorial Legislativo.

De acordo com o Memorial Legislativo do Rio Grande do Sul a Primeira Legislatura aponta o nome de João Francisco Vieira Braga como eleito para a Primeira  Legislatura (Fig.: 08) em fevereiro de 1835.

A Primeira Legislatura teve duração excepcional: o Ato Adicional (Lei nº 16 de 12/08/1834) determinava o período de dois anos para as legislaturas, mas estabelecia ainda, que a primeira duraria até o final de 1837, portanto, esta durou 03 anos. Em 1836 houve poucas sessões e, em 1837, somente os representantes do partido Conservador se fizeram presentes, pois os liberais participavam da Revolução Farroupilha.Depois deste período, a Assembleia Legislativa Provincial ficou fechada até o final da Revolução Farroupilha. (Memorial Legislativo).


Conforme Bellomo, (2008:230) João Francisco Vieira Braga o Conde de Piratini faleceu em 1887 e está sepultado com sua esposa na cidade de Pelotas, no cemitério São Francisco de Paula.  De acordo com o autor a sepultura possui ramos de planta em relevo e a seguinte inscrição: “ Conde de Pirati e sua esposa. 1887. Orae por eles!”.
No ano de 1890 muitos objetos da casa foram colocado em  leilão e o arrendamento do predio para comércio no ramo da hotelaria iniciava com a administração do senhor Francisco Secco e com o nome de Hotel Internacional. Até esse momento não foram encontrados anuncios sobre a existencia do Hotel. Pode-se supor que a partir dessa data a edificação inicia o processo de se tornar o Hotel Paris como hoje conhecemos. Foram diversos proprietários que se alternaram na administração do negócio hoteleiro.
Os proprietários
 Na data de 24 e 25 de outubro de 1891 os trâmites legais foram encaminhados para assinar a escritura de arrendamento do Hotel Internacional e da estação Balnear (Villa Siqueira da Companhia de Ferro Rio Grande Costa do Mar), pelo sindicato proprietário do Hotel Internacional. Conforme, nota no Diário do Rio Grande de 1891, “a cidade do Rio Grande nada deixa a desejar no gênero de hotel”. Por seu luxo e requinte estava sendo considerado um estabelecimento a altura da aristocracia. A aristocracia e os empresários do período não dispensavam o luxo e as tradições, o hotel na época seria classificado como cinco estrelas. Recebiam visitantes que chegavam de outras localidades em busca de uma ascensão econômica e os que desejavam embarcar para outras localidades como o Rio de Janeiro, Montevidéu e Buenos Aires.

Fig.: 09 Diário do Rio Grande 18.12.1892

No Diário do Rio Grande nas edições de 02 de julho de 1892 e 18 de dezembro de 1892 (Fig. 09) constam anúncios que identificam o endereço D. Pedro II, 44 fundos com a Riachuelo e especifica que existiam duas entradas uma pela D. Pedro hoje Marechal Floriano e outra pela Riachuelo. O que pode ser constatado atualmente, pois ainda possui essa característica.
O Hotel Paris encontra-se localizado em uma região privilegiada da cidade, atualmente e na época. Consta no Diário do Rio Grande de 18 de dezembro de 1892: “situado no melhor local para o viajante”, pois ficava perto do cais e da estação Marítima da estrada de ferro do Rio Grande, Southern Brazilian, para quem chegava do interior. Esta se comunicava diretamente com estrada de ferro Rio Grande Costa do Mar por bondes. Os bondes estacionavam bem na frente do hotel e como o centro comercial era nas mediações do mesmo, esta localização privilegiada oferecia todas as facilidades de locomoção.
 Os quartos possuíam amplo espaço com bastante luz e ar, luxuosamente mobiliados, em seu salão era possível recepcionar um casamento, e havia um piano a disposição dos hóspedes. Sala reservada para banquetes e conforme o anuncio do jornal da época: “existe um salão decorado ao gosto britânico”. Contava com serviço de Buffet e as salas de refeições eram asseadas e elegantes e bem decoradas, permitindo ao hóspede passarem algumas horas deleitáveis entregue aos prazeres da mesa. Os banhos poderiam ser a qualquer hora. Considerado o melhor hotel do Brasil, segundo consta no Diário do Rio Grande na data de 02 de julho de 1892.
O estabelecimento inegavelmente tem proporcionado a cidade do Rio Grande melhoramentos para agradar a quem visita, para quem está em trânsito, ou a negócios, se hospedarem com bom tratamento e conforto. Em debate sobre os estabelecimentos disponíveis para hospedagem, o Diário do Rio Grande, publica um texto em que aborda os hotéis que existiam. Os hotéis tinham vontade de servir, mas faltavam recursos essenciais para ampliar. Ressalta que a chegada do Hotel Internacional preenche essa lacuna. Interessante ressaltar que os proprietários do hotel tentaram melhorar a higiene pagando do “seu próprio bolso”, construindo uma rede de esgoto, porém encontrou oposição municipal.
O movimento marítimo era intenso, muitos vapores, pequenas embarcações e navios transportavam passageiros e mercadorias pelos rios e mares dos arredores de Rio Grande. Este fato contribui para o crescimento da cidade e incentivava os hotéis serem de primeira ordem.
Hóspedes importantes e famosos utilizaram o serviço do hotel. Gaspar Silveira Martins (Fig. 10) foi Deputado Provincial, deputado, presidente da província, ministro da Fazenda, magistrado e político brasileiro, elaborou um discurso político inflamado na bancada do hotel, chamando a atenção da população.

                    
Fig.: 10 “A Federação”1892 - Discurso na sacada do Hotel Internacional

Acredita-se que como em todos os negócios existem as fases de prosperidade ou decadência. Não foi diferente com o palacete da D. Pedro II, 44. Diante de dividas e para pagamento de hipoteca, o magnífico prédio foi colocado em leilão (Fig.: 11). Consta anúncio do respectivo negócio no jornal “A Federação” de Porto Alegre, do dia 13 de agosto de 1895 e anuncia sua realização para 20 de agosto de 1895
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Fig.: 11 O Jornal “A Federação” de Porto Alegre, do dia 13 de agosto de 1895.
Uma semana após o anúncio René Pascal resgata o prédio por 105:500$000. Não foi encontrado registro que indicassem a origem e procedência do senhor citado.
Dentro da linha sucessória de proprietários que tentaram administrar o hotel foram encontrados dados sobre alguns homens que eram visionários e empreendedores. O próximo empreendedor, possuía experiência em hotelaria, pois em Florianópolis, Santa Catarina, atuava neste ramo com o Hotel Brasil. Percebendo a possibilidade de grande empreendimento comprou o Hotel Internacional e alterou o nome para Hotel Paris.
Walter Kleine nasceu em Magdeburg, (Fig.: 12) cidade alemã em 20 de julho de 1847 e morreu em Rio Grande 12 de outubro de 1900. O imigrante alemão era proprietário de um hotel em Florianópolis (Fig. 13), no jornal “Republica” e conforme o anúncio da venda do Hotel (Fig. 14). O negociante acreditou no movimento do hotel e no crescimento da cidade.

Fig.: 12  Mapa da localização: cidade de nascimento de  Walter Kleine.

           Fig.: 13 “ República”: jornal de Florianópolis 22 de novembro de 1896.
                 Fig.: 14  “República”: jornal de Florianópolis anúncio dia 15 de maio de 1900.
Consta no Almanak Laemmert: Administrativo, Mercantil e Industrial (RJ) 1891 a 1940. (Fig. 15) e na propaganda do Hotel Paris Ex- Internacional., no Guia Bemporat do Estado do Rio Grande do Sul, (Fig.: 16) obra de consulta comercial tendo como diretor geral Achylles Bemporat datado de 1906, o nome de viúva Walter Kleine. Também consta Walter Kleine faleceu em 1900 (Fig.: 17) e a sua lapide está no cemitério protestante evangélico da cidade do Rio Grande. Não foram encontradas até o momento informações relevantes sobre a atuação de Walter Kleine.

Fig.: 15 Anúncio do Almanak.Laemmert
                
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Fig.: 16 Guia Bemporat
Fig.:16  Fonte: Fotografia realizada pela autora

Um novo momento de transformações no cenário urbano tem como responsável o crescimento das indústrias. Inúmeras se instalam na cidade e de varias segmentos comerciais, um período de projeção nacional e internacional de Rio Grande. As mudanças da virada do século proporcionaram novos horizontes para os investidores individuais assim como para as indústrias que se estabeleceram na cidade. Com a chegada de novas indústrias, o movimento do porto se acelera e a necessidade de hotéis para ofertar aos viajantes, vendedores e compradores com condições satisfatórias de estadia se acentua.   
Por volta de 1910 o Hotel Paris foi vendido para o Sr. Francisco Giacoletto, italiano de Torino, (Fig.:18) nascido em 1874 e com 12 anos embarcou para América. Inicialmente morava em Buenos Aires e se constitui como comerciante trabalhando em negócios de armazenagem e hotel. Em 1896 fixou residência em Córdoba durante seis anos. Ocupa-se de negócios de comissão e consignação na compra de cereais e outras empresa, entre elas os carros restaurantes da linha San Cristoval durante quatro anos. Esse ativo comerciante foi adquirindo experiência e gozando de excelentes relações econômicas e sociais. Chegou ao Rio Grande do Sul em 1907, com o cargo de fornecedor de carne para a população e a empresa dos carros restaurantes através de um contrato com a viação Férrea.
Fig.18 0 Sr. Francisco Giacoletto (Monte Domecq).

 Nesse período, ao término do contrato com a Viação Férrea, fixou residência em Rio Grande. Com sua visão comercial, observou no hotel Paris ex- Internacional, a possibilidade de um comércio lucrativo. (MONTE DOMECQ e Cia. pag. 377). Sob sua competente direção o hotel passou por uma reforma completa.  Nesse ano é considerado o único hotel de classe e seu proprietário exerce rigorosa fiscalização, o dirigindo pessoalmente. Com suas relações comerciais pelo mundo, ele importa diretamente da Europa todos os artigos de consumo do hotel principalmente da Itália e Portugal.
No Almanak Laemmert (Fig. 19) consta o levantamento dos hotéis do ano 1914 em Rio Grande. Nesta época, o hotel possuía quartos confortáveis e bem ventilados, banhos frios e quentes toda hora, para senhoras e cavalheiros, grande sala de jantar provida do necessário para uma refeição completa e serviço de qualidade.

Fig.: 19 Fonte:  Almanack Laemmert Administrativo, Mercantil e Industrial 1914.
O empresário com visão comercial não se contenta somente com o hotel da cidade. Procura outras opções. Entre as possibilidades adquire a concessão do hotel Casino em 1912.  Estação balneária próxima da cidade que desde 26 de janeiro de 1890 inaugurou a primeira temporada de veraneio nas areias da praia chamada nessa época de Villa Siqueira. Era costume para as famílias mais tradicionais e distintas e outras vindas de varias localidades, reunirem-se e descansarem nas areias da praia. Possuindo muitas outras distrações como cavalos, carros para passeios e excursões proporcionando horas agradáveis com todo no conforto. O hotel Casino contava com 114 quartos e oferecia diversão como bailes e jogos familiares. (Fig. 20)
Fig.: 20  “A Federação” 2 de dezembro de 1915
         As imagens do interior do Hotel Paris demonstram a beleza e o requinte nos detalhes e no atendimento. (Fig. 21 e 22) que fez com sua fama se espalhasse por todo o Brasil.  

Fig. 21 Interior do hotel em 1910 (Monte Domecq).
Fig. 22 Interior do hotel em 1910 (Monte Domecq).
 Atualmente o hotel possui duas estrelas que representam sua categoria, mas seu valor histórico é de uma constelação. Venceu o tempo e o descaso. O atual proprietário, desde 1966, é Luiz Carlos Firmino Hilário. Seus pais, Firmíno Hilário e Francelina Hilário, comerciantes, vieram de Avança Distrito de Aveiro, Portugal. Possui uma rede de hotéis que inclui uma construção moderna na Rua General Neto, denominado Vila Moura, de alto requinte e para pessoas exigentes.
O prédio do Hotel Paris foi tombado pelo Patrimônio Histórico em 1986. Somente com a autorização do IPHAE se pode requerer alvará para reformas, desta forma se evita a descaracterização. Atualmente seu proprietário tenta manter o hotel funcionando de forma a garantir a estrutura original.

Considerações finais

Os fragmentos aqui apresentados (imagens e recortes dos jornais) respondem aos desdobramentos que a edificação do Hotel Paris representa para a história da cidade. Nesse trabalho, de forma sintética, refletimos sobre as condições que contribuíram para a sobrevivência de uma edificação considerada um palacete em 1826 e em 2017 ainda resiste às seduções da modernidade. Observamos um hotel que ainda se mantém estruturalmente intacto, mesmo com o desenvolvimento urbano da cidade e as alterações sofridas com o tempo. Passou-se a considerar o hotel como núcleo centralizador dos processos históricos observados. Desde a construção como residência, quem construir e qual o seu envolvimento com a cidade, até a alteração para hotel e em que contexto histórico se insere as mudanças.
Assim como a história de um mar envolve seus usuários, ribeirinhos e pescadores, o hotel envolve pessoas que convivem e vivem experiências diversificadas e nesse contexto o hotel é elemento aglutinador e como já foi dito, centralizador Os hóspedes, os proprietários, os que entram e saem, e os que observam são os construtores dessa história, indivíduos que ocupavam e se relacionavam com o lugar e a cidade.
Desta forma, a pesquisa tentou construir uma ideia de tempo cronológico, desde João Francisco Viera Braga como primeiro proprietário do palacete e os demais proprietários que com suas personalidades emprestaram ao hotel, a energia, a vitalidade e a persistência. Através das informações encontradas nos jornais pesquisados percebe-se que cada um deles, à sua maneira, tentava resolver os problemas para a sobrevivência do negócio e buscava alternativas para seduzir os hóspedes.
A edificação permitiu pensar o movimento urbano, os diversos proprietários, as estratégias de sobrevivências, os hóspedes famosos, e como se manteve praticamente inabalado com o crescimento da cidade. O hotel se apresenta como um conjunto de elementos que se integram com a cidade, como um núcleo central de constatação histórica. Possibilitando, desta forma, desenhar uma pesquisa que se desdobra entre as histórias dos proprietários, da cidade e o Hotel Paris.                           
A pesquisa evidenciou o Hotel Paris como lugar de memória da cidade, lugar que instiga novos saberes, entendimentos sobre a história local a partir do lugar. Mas pode-se inferir que com todas as transformações ocorridas nestes quase 200 anos, o hotel se apresentou como espaço privado/público, pertencente a todos. Acredita-se que este trabalho contribua com a reflexão sobre as edificações antigas e a preservação das mesmas atribuindo sentido e ressignificação ao lugar.
Além de proporcionar possibilidades de pensar ações protecionistas, pois a questão é complexa e apresenta-se em aberto. A paisagem que se configura são prédios cada vez mais esquecidos e portadores de histórias a serem reveladas. O olhar sobre a cidade nos mostra a realidade contemporânea, por isso a história de um Hotel, embora sofrendo pouca interferência humana na sua estrutura, foi pesquisado como uma forma de registro histórico conectando os eixos temáticos: cidade, hotel e indivíduos.
Considerando o que foi investigado constata-se que existem desdobramentos para a pesquisa aqui apresentada, outros caminhos poderão ser percorridos e revisitados.
  
REFERÊNCIAS
ALVES, Francisco das Neves. Visões do Rio Grande: A cidade sob o prisma europeu no século XIX. Francisco das Neves Alves, Luiz Henrique Torres. Rio Grande. Universidade Federal do Rio Grande. 1995

______A cidade do Rio Grande: uma abordagem histórico-historiográfica. Francisco das Neves Alves, Luiz Henrique Torres. Rio Grande. Universidade Federal do Rio Grande. 1997.


BELLOMO, Harry (org.). Cemitérios do Rio Grande do Sul: arte, sociedade, ideologia. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.
BEMPORAT, Achylles. [Diretor Geral]. Guia Bemporat do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 1906.

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[1]Acadêmica de Licenciatura em História FURG, Licenciada em Artes Visuais FURG, Especialista em Rio Grande do Sul: sociedade, política e cultura, FURG. Mestre em História. FURG.
[2]Doutorado em História do Brasil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil (1997). Professor Titular da Universidade Federal do Rio Grande , Brasil.
[3]  “O Noticiador foi um jornal brasileiro e o primeiro jornal editado em Rio Grande, fundado em 03 de janeiro de 1832.

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